Jacqueline Muniz e Domício Proença Júnior
Não há como dizer mais do que disse o pai de João na TV.
Resta o esforço para compreender por que isso pôde acontecer, por que já aconteceu antes, por que pode continuar acontecendo. E apontar de forma inequívoca que existe como impedir que isso aconteça de novo.
Que fique muito claro: isso não é um caso isolado, e vai mais longe do que os que tinham as armas na mão. Resulta de uma rede de omissões e equívocos sistemáticos. Que fique ainda mais claro: isso tem solução sim.
O erro político
Acima de tudo, a tragédia do João é fruto da ausência de diretrizes políticas claras que constituam a política de uso de força das polícias no estado do Rio de Janeiro, formulada, divulgada e submetida à apreciação da coletividade policiada por quem está em posição de mando. Uma política que traduza os preceitos constitucionais e seja disseminada, praticada, gerenciada. Que alcance todo o trabalho policial. Enfim, uma política de uso da força que retire do limbo institucional a chamada “doutrina” de polícia.
Uma política assim está ao alcance de ato administrativo do governador e do secretário de Segurança. Dispensa, por desnecessária, a grandiloqüência de uma reforma constitucional ou mesmo qualquer encaminhamento pelo legislativo.
O erro estratégico
Constitui um erro estratégico a ausência de diretrizes claras e férreas de como abordar uma situação. De se atirar sem ser para proteger a própria vida ou a de outro. De atirar sem estar diante de ameaça ou resistência armada.
Constitui, portanto, um erro estratégico a carência de procedimentos policiais claros, praticados e validados criticamente, familiares para a polícia e para todos os cidadãos. A falta de regras publicamente conhecidas do que a policia pode e não pode fazer. Cuja ausência permite, convida, o improviso, ao cada um por si. Induz ao sentimento de uma “licença para matar” que começa com a desculpa do confronto, no absurdo de se dizer que se está em guerra quando se faz segurança pública. Que leva até o João. Regras que se pode estabelecer e disseminar no âmbito interno de uma secretaria de segurança, de uma polícia, de uma unidade policial – amanhã.
O erro tático
O estado das práticas e dos saberes policiais qualificam como um equívoco, um erro, atirar contra um veículo em rajadas sem ter alvo visado e, portanto, responsabilidade por cada tiro deflagrado. Atirar a esmo, reconhecendo pelo fogo, abrindo mão de tudo que caracteriza o uso da arma de fogo pelos agentes da lei. Abrir fogo de fuzil em rajadas sobre um veículo parado, sem que haja risco letal, sem que haja ameaça ou resistência armada, sem que se tenha identificado em quem se atira e por que.
Atirar é algo que se prepara em dois níveis. O primeiro é no ato de colocar o projétil no que se visa, com consciência e precisão. Há polícias em que só se qualifica para as ruas quem acerta mais de 95 tiros em 100 em cada um dos armamentos que pode vir a utilizar, sabendo quando cada um tem seu uso.
Isso é algo que se faz 90% do tempo “a seco”, sem munição. Para tratar cada tiro como um exame final, educar a responder pelo motivo e destino de cada projétil. Isso não é utopia. Esse é o requisito profissional corriqueiro das polícias das democracias consolidadas e fortes. Onde os policiais têm lugar e vez.
O segundo é o ato de decidir se atirar é a melhor resposta diante de uma dada situação, e daí saber escolher como fazê-lo. Onde e em quem ou no que mirar e atirar, e com qual armamento. Isso também se ensina e se aprende. Há polícias em que um tiro não visado e justificado, ou a má escolha de armamento, encerra uma carreira.
O erro logístico
Constitui um equívoco logístico da organização policial não sustentar o preparo, o suporte e o emprego de seu pessoal no que distingue o seu mandato público, o uso de força comedido e autorizado. Isto leva a armamentos, equipamentos, procedimentos e treinamentos que chegam a ser contraditórios entre si, e com a própria razão de ser e missão das próprias polícias. Isto leva a que logística, tática, estratégia e política policiais confrontem-se e se neguem a cada abordagem, a abordagem do carro em que estava João. Tem-se a desqualificação por dentro dos fundamentos essenciais da ação policial, que passa a promover, paradoxalmente, o medo, o risco, a incerteza e o perigo real que deveria administrar.
Numa República, adequar a logística às políticas, estratégias e táticas policiais significa discutir para valer o orçamento policial, redefinindo e detalhando as rubricas de modo a aproximá-las do mundo real. Significa fazer transparente o quanto se aloca, para quê, e como se gasta o que se disponibilizou. Esse é o momento em que se tem os pesos e contrapesos da vida democrática.
É quando o Executivo, governo do estado, e o Legislativo, Assembléia, fazem-se dignos de seus mandatos. Avaliando e decidindo prioridades sob consulta pública, assumindo para si os ônus e bônus das decisões. Conscientes de que a ação policial é responsabilizável desde quem aperta o gatilho, passando por quem escolheu o armamento ou elaborou procedimento, até quem decidiu pela prioridade orçamentária ou pela política de segurança pública. (Voltar a Aqui e Agora)
Não há como dizer mais do que disse o pai de João na TV.
Resta o esforço para compreender por que isso pôde acontecer, por que já aconteceu antes, por que pode continuar acontecendo. E apontar de forma inequívoca que existe como impedir que isso aconteça de novo.
Que fique muito claro: isso não é um caso isolado, e vai mais longe do que os que tinham as armas na mão. Resulta de uma rede de omissões e equívocos sistemáticos. Que fique ainda mais claro: isso tem solução sim.
O erro político
Acima de tudo, a tragédia do João é fruto da ausência de diretrizes políticas claras que constituam a política de uso de força das polícias no estado do Rio de Janeiro, formulada, divulgada e submetida à apreciação da coletividade policiada por quem está em posição de mando. Uma política que traduza os preceitos constitucionais e seja disseminada, praticada, gerenciada. Que alcance todo o trabalho policial. Enfim, uma política de uso da força que retire do limbo institucional a chamada “doutrina” de polícia.
Uma política assim está ao alcance de ato administrativo do governador e do secretário de Segurança. Dispensa, por desnecessária, a grandiloqüência de uma reforma constitucional ou mesmo qualquer encaminhamento pelo legislativo.
O erro estratégico
Constitui um erro estratégico a ausência de diretrizes claras e férreas de como abordar uma situação. De se atirar sem ser para proteger a própria vida ou a de outro. De atirar sem estar diante de ameaça ou resistência armada.
Constitui, portanto, um erro estratégico a carência de procedimentos policiais claros, praticados e validados criticamente, familiares para a polícia e para todos os cidadãos. A falta de regras publicamente conhecidas do que a policia pode e não pode fazer. Cuja ausência permite, convida, o improviso, ao cada um por si. Induz ao sentimento de uma “licença para matar” que começa com a desculpa do confronto, no absurdo de se dizer que se está em guerra quando se faz segurança pública. Que leva até o João. Regras que se pode estabelecer e disseminar no âmbito interno de uma secretaria de segurança, de uma polícia, de uma unidade policial – amanhã.
O erro tático
O estado das práticas e dos saberes policiais qualificam como um equívoco, um erro, atirar contra um veículo em rajadas sem ter alvo visado e, portanto, responsabilidade por cada tiro deflagrado. Atirar a esmo, reconhecendo pelo fogo, abrindo mão de tudo que caracteriza o uso da arma de fogo pelos agentes da lei. Abrir fogo de fuzil em rajadas sobre um veículo parado, sem que haja risco letal, sem que haja ameaça ou resistência armada, sem que se tenha identificado em quem se atira e por que.
Atirar é algo que se prepara em dois níveis. O primeiro é no ato de colocar o projétil no que se visa, com consciência e precisão. Há polícias em que só se qualifica para as ruas quem acerta mais de 95 tiros em 100 em cada um dos armamentos que pode vir a utilizar, sabendo quando cada um tem seu uso.
Isso é algo que se faz 90% do tempo “a seco”, sem munição. Para tratar cada tiro como um exame final, educar a responder pelo motivo e destino de cada projétil. Isso não é utopia. Esse é o requisito profissional corriqueiro das polícias das democracias consolidadas e fortes. Onde os policiais têm lugar e vez.
O segundo é o ato de decidir se atirar é a melhor resposta diante de uma dada situação, e daí saber escolher como fazê-lo. Onde e em quem ou no que mirar e atirar, e com qual armamento. Isso também se ensina e se aprende. Há polícias em que um tiro não visado e justificado, ou a má escolha de armamento, encerra uma carreira.
O erro logístico
Constitui um equívoco logístico da organização policial não sustentar o preparo, o suporte e o emprego de seu pessoal no que distingue o seu mandato público, o uso de força comedido e autorizado. Isto leva a armamentos, equipamentos, procedimentos e treinamentos que chegam a ser contraditórios entre si, e com a própria razão de ser e missão das próprias polícias. Isto leva a que logística, tática, estratégia e política policiais confrontem-se e se neguem a cada abordagem, a abordagem do carro em que estava João. Tem-se a desqualificação por dentro dos fundamentos essenciais da ação policial, que passa a promover, paradoxalmente, o medo, o risco, a incerteza e o perigo real que deveria administrar.
Numa República, adequar a logística às políticas, estratégias e táticas policiais significa discutir para valer o orçamento policial, redefinindo e detalhando as rubricas de modo a aproximá-las do mundo real. Significa fazer transparente o quanto se aloca, para quê, e como se gasta o que se disponibilizou. Esse é o momento em que se tem os pesos e contrapesos da vida democrática.
É quando o Executivo, governo do estado, e o Legislativo, Assembléia, fazem-se dignos de seus mandatos. Avaliando e decidindo prioridades sob consulta pública, assumindo para si os ônus e bônus das decisões. Conscientes de que a ação policial é responsabilizável desde quem aperta o gatilho, passando por quem escolheu o armamento ou elaborou procedimento, até quem decidiu pela prioridade orçamentária ou pela política de segurança pública. (Voltar a Aqui e Agora)
3 comentários:
Parabéns pelo texto. Imagino que seja possível iniciar trabalho baseado nos pontos levantados por vc. Mas imagino ser tarefa duríssima, visto as décadas de paralisia e falta de ações dos governantes com relação a nossa polícia. Espero q vcs de alguma maneira possam ajudar nosso governador, que acho ser pessoa que quer melhorar as coisas, pessoa de bem.
Jaqueline, Meus parabéns pela sua análise sempre PRECISA e isenta dos fatos. Tive uma aula com você no Curso de Gestão de Segurança Pública da UERJ em parceria com o ISP e em breve espero ter a oportunidade de conversar com você e outros pesquisadores sobre este tema tão relevante para nós, Policiais Civis.
Abraços e mais uma vez parabéns!
Enquanto existirem milhares de "cheiradores" alimentando o crime com milhões de dólares, a situação não mudará.
Vamos deixar de hipocrisia e atacar o problema na raíz.
Cada vez mais aumenta o número de "cheiradores", isso aumenta a procura e oferta vai acompanhar a demanda. É a lei da economia. Se essa cadeia não for quebrada na origem...nada vai dar certo.
Vejam os exemplos dos países muçulmanos: lá a droga tem importância?
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