sexta-feira, 10 de abril de 2009

Em busca do tempo perdido

Meu querido deputado, parabéns pela votação expressiva. Admiro a sua luta e todos ganhamos com sua postura ética nesta disputa. Bem que precisávamos de alguém assim por aqui. O senhor me pede algumas sugestões sobre questões de segurança pública, o que me permite supor decisões ousadas para o próximo ano. Boa sorte.

Não me acho o melhor conselheiro. Sou uma espécie de viajante involuntário, um observador casual dessas coisas de polícia e de ordem pública. Conheço vários especialistas, mas circulo por eles estrangeiro, tratado com simpatia, mas com a devida distância com que se trata, não digo um intruso, mas um convidado inesperado. Além disso, minha visão é um tanto trivial, não acadêmica e absolutamente informal.

Acharia importante, por exemplo, que os governadores e os secretários de segurança de nosso país, antes de andarem pelo mundo afora, atrás de soluções mágicas e instantâneas para a questão do crime e da violência, fizessem uma consulta a um experiente ortodontista pernambucano. Não é pelo sorriso da foto, não, e sim para estabelecerem uma importante linha conceitual na elaboração de suas políticas públicas. O senhor compreenderá, na certa.

O Dr. Lemos criou um argumento sólido e eficaz para os seus mais renitentes pacientes, que resistem à implantação de longos tratamentos, em que necessitam usar, por um, dois ou três anos, aqueles incômodos aparelhos em seus dentes. Ele vence suas resistências argumentando que, se colocarem imediatamente o aparelho, dentro de um ano irão verificar, surpresos, que o tempo passou mais rápido do que esperavam. Se não o fizerem, dentro de um ano lamentarão não terem começado o tratamento e, por isso mesmo, dificilmente o iniciarão. E o que é pior, no fim do prazo estimado, dar-se-ão conta de que perderam a oportunidade de começar a coisa certa na ocasião certa, e serão acometidos de um doloroso sentimento de “agora é tarde”.

Para que não acabe vítima deste sentimento, ao fim de uma eventual administração sua, inspire-se nos ensinamentos de Jacqueline Muniz. Eu sou um daqueles que se apropriam de suas idéias para parecer inteligente nesses debates inócuos e repetitivos sobre ordem pública. Mas sou o único que confessa. E que as aproveita com intenção de melhor fazer as coisas. Como a realidade é anacrônica, os efeitos do trabalho dessa moça de Pádua só se farão sentir em alguns anos, quando nossos homens públicos ficarão a brigar pela paternidade de resultados que não serão capazes de explicar, ou sequer compreender.

Segundo Jacqueline, nossas autoridades se recusam, como alguns clientes do Dr. Lemos, a adotar, desde cedo, os procedimentos que os levarão a soluções definitivas. Evitam e contornam uma política de segurança pública que ultrapasse a emergência, as emoções do momento, os modismos e magias de ocasião. Insistem em realizar intervenções no campo da segurança pública através de ações isoladas, descontínuas e apenas emergenciais, mostrando uma preocupante timidez e um grave desconhecimento da complexidade do problema a ser enfrentado. Deixam o tempo passar sem estabelecer metas realistas de médio e longo prazo a serem cumpridas, sobretudo em um cenário de escassez de recursos públicos. Vão caminhando, através dos seus mandatos, de prioridade circunstancial em prioridade circunstancial, negligenciando a necessidade de uma visão estrutural e estratégica capaz de enfrentar as verdadeiras questões de forma séria e profissional, inclusive no sentido político.

Ao perceberem o escoar do tempo, as oportunidades perdidas e o clamor público por soluções agora urgentes, caem na armadilha de tratar o problema como uma questão de aquisição de meios humanos e materiais para as polícias. É claro que é importante equipar as agências policiais, algumas esquecidas e desaparelhadas há anos. Mas confundir incremento de efetivo, melhorias salariais, mais viaturas e reformas de delegacias, com uma efetiva política de segurança pública, só aumentará a sensação de fracasso e impotência, quando for percebido que gastou-se muito dinheiro, sem que os índices de criminalidade tenham sofrido grandes alterações.

Iniciativas na área de pessoal e equipamentos são irresistíveis, na medida em que se tornam imediatamente visíveis para a opinião pública. Mas são apenas medidas de rotina. Estão longe de configurarem uma política de segurança pública, que, antes de tudo, exige uma mudança de filosofia, doutrina, métodos e técnicas de atuação das polícias. Mais ainda: uma Política de Segurança Pública, com iniciais maiúsculas, deve estar comprometida com a cidadania, incorporando a colaboração de todos os atores responsáveis pela produção de segurança: os cidadãos e suas comunidades (inclusive as comunidades de negócios) e as agências públicas prestadoras de serviços essenciais.

A polícia não pode ser deixada só, na difícil empreitada de combater o crime e a violência em nossas metrópoles. A Central Disque-Denúncia constitui um bom exemplo de como a construção de parcerias entre o poder público e a sociedade civil é um caminho frutífero (e inevitável) quando se busca ampliar e melhorar a oferta de segurança pública aos cidadãos, reduzindo custos e otimizando a relação custo/benefício. E deixa claro que, para se contar com a compreensão e o apoio da população, é necessário agir de forma transparente, estabelecendo instrumentos de comunicação, avaliação e de prestação de contas a esta população.

Da mesma forma que o Dr. Lemos elabora seus tratamentos, é desejável que uma POLÍTICA DE SEGURANÇA PÚBLICA, com letras maiúsculas, seja construída também a partir de um diagnóstico o mais preciso possível. Sem avaliar a realidade criminal e seus problemas específicos, locais, não haverá como instruir um plano racional e integrado de intervenções, sobretudo preventivas e inteligentes. E nem como fazer frente aos desafios e necessidades identificados, gerando resultados efetivos e palpáveis, que tragam tranqüilidade aos cidadãos de bem.

Construir uma Política de Segurança Pública acima das circunstâncias políticas, submetê-la à aprovação da sociedade civil e conquistar a sua participação, é uma oportuna ousadia. Aqueles que aceitarem o desafio de construí-la como um programa político feito com competência e seriedade, irão colher os frutos reservados para os que estão sempre em sintonia com os desafios de seu tempo. Mas, voltando aos princípios do Dr. Lemos, é preciso, um dia, começar.
Obrigado pela confiança, e, mais uma vez, boa sorte.
Zeca Borges

Direito de Saber

O medo do crime passou a fazer parte da vida dos brasileiros. O medo, que em sua justa medida serve para promover a cautela, fator indireto de proteção, quando exacerbado e irreal ameaça a qualidade de vida da comunidade. A facilidade de acesso e a boa qualidade de informações disponíveis sobre o crime, criminosos e questões conexas constituem antídotos poderosos contra a insegurança coletiva que um medo irreal do crime pode produzir, fazendo com que a comunidade passe a proteger-se de maneira objetiva, racional e eficaz.

Os órgãos de segurança pública, a mídia e até mesmo o imaginário popular são fontes de informação sobre o crime e a criminalidade. A maioria das pessoas não percebe com clareza o "problema do crime" ou da chamada criminalidade de massa, em sua prevalência global, e que incide predominantemente sobre o patrimônio material sob a forma de freqüentes e pequenos delitos, caso dos furtos. Ao contrário, a maior parte da comunidade é constantemente exposta a informações sobre "crimes problema". Entre eles figuram os homicídios, seqüestros, roubos e outros delitos, não tão freqüentes, mas de grande impacto social pela violência com que são perpetrados. Informações sobre "crimes problema" podem ser tendenciosamente disseminadas com diferentes motivações: entreter acerca do que é fora do comum, explorar a curiosidade pública sobre esse grave problema social, ou mesmo angariar simpatia ou promover antagonismo político-eleitoral.

Tanto no Brasil, quanto em qualquer outro lugar do mundo, as conseqüências da criminalidade podem ser extremamente graves: mortes, lesões, traumas, etc. Conseqüentemente, a maioria das pessoas, na dúvida, imagina o pior, o que pode gerar angústia, stress e muito medo. A materialização dessa situação trouxe para o cotidiano brasileiro os vigilantes de domicílios, cães de guarda, grades, alarmes, cercas, etc. Toda essa parafernália já caracteriza uma espécie de redesenho medieval da arquitetura das grandes cidades brasileiras. Com a retração da comunidade, amedrontada, para espaços privados cada vez mais fortificados, os espaços públicos vão ficando vazios e desertos e, por isso mesmo, cada vez mais perigosos. Ganham os delinqüentes, ao mesmo tempo em que perde a comunidade, já que seu lugar de socialização e articulação—o espaço público—passa a estar abandonado em função do medo e do isolamento social que ele produz. A desinformação certamente contribui para tudo isso.

Um grande problema é não apenas a falta geral de conhecimento sobre o crime, mas sim a impotência do Estado em desmistificar tal fenômeno. A diferença entre a realidade e o que hoje se pode saber é algo extremamente destorcido pelo medo, má informação, ou mesmo desinformação, situação em que a criminalidade parece sempre crescente, onipotente e cada vez mais perigosa.

Prof. Doutor George Felipe de Lima Dantas
Núcleo de Estudos em Defesa, Segurança e Ordem Pública (NEDOP)