O que se pode aprender com o combate aos sequestros no Rio nos anos 1990?
O mundo dos negócios tem uma lógica própria que não admite vaidades. Quando uma empresa lança uma ideia ou produto inovador, a primeira coisa que as concorrentes fazem é copiar aquilo sem pudor e, quando possível, aprimorar para relançar. Em nova embalagem, que seja. É a lei da sobrevivência. Pois note-se o que aconteceu, naqueles anos, na área de segurança pública: Houve no Rio de Janeiro um caso exemplar de combate aos sequestros. Ao deparar-se com o intolerável recorde de 108 sequestros registrados num só ano, empreendeu-se uma ação eficaz. Três anos depois, a polícia do Rio havia esvaziado todos os cativeiros. Do sucesso dessa experiência, restaram muitas certezas, mas uma indagação ficou no ar: porque ninguém nunca sequer tentou aprender com esse episódio?
Por que não se aproveitou essa experiência?
Há quem vá dizer que no mundo habitado pelos políticos não há grandeza desta latitude. E os políticos não vão poder reclamar. Costuma-se mesmo abater boas idéias a golpes de caneta quando a procedência é a prancheta da oposição. O fato é que não se pode mais transigir com essa conduta no campo da segurança pública. Não por nada, mas é que há muita gente morrendo, neste momento, em nosso país, e nada parece acontecer. Quem já perdeu alguém nesta guerra, sabe como é desesperador. Para que não se perca mais tempo, vamos direto ao ponto: é preciso que se diga o que aconteceu no Rio para que esta experiência possa ser apropriada.
Como tudo começou?
A sinalização de que algo começava a mudar foi dada, ainda em 1995, pelo então chefe da DAS, Hélio Luz. “A DAS não sequestra mais”, anunciou. Era uma frase com dois recados. Um, à sociedade, de que a polícia reconhecia seus problemas internos. Outro, aos maus policiais, sequestradores, de que seus dias estavam contados. O mesmo se repetiu com a chegada à DAS do delegado Marcos Reimão, dois anos depois. A simples notícia de que ele estaria à frente da divisão fez com que sete sequestrados fossem soltos. Houve quem levantasse a hipótese de que policiais estivessem por trás dos crimes. Bastou a percepção de que a autoridade se impôs para que a casa começasse a se arrumar.
O que aconteceu?
O Rio venceu os sequestros não porque os sequestradores tenham mudado para outro estado a sede de seus negócios. A maior parte deles, ainda hoje, tem endereço fixo no complexo de segurança máxima de Bangu. O que se conseguiu foi reunir policiais dispostos a realizar uma missão da qual mais tarde se orgulhariam, dar-lhes condições de trabalho e um suporte de inteligência às investigações. Tudo isso como apoio e a presença constante da sociedade civil. Nada de novo. Só o trabalho levado a sério.
Como aconteceu?
O primeiro passo foi a realização de um seminário em que se juntaram políticos, acadêmicos, policiais civis e militares e, o mais importante, as vítimas. Gente que foi contar o que sentiu, viu e ouviu quando estava sob o domínio de bandidos. Se ainda vale a comparação com o mundo empresarial, levou-se o cliente para a reunião de diretoria. A nova Divisão Anti-Sequestro (DAS) que surgiu dali também tinha inovações. Acabou-se com o sistema em que um caso é investigado por apenas uma equipe que se desdobra em várias tarefas, como é o usual nas delegacias, onde os plantões de 24 horas são intercalados por 72 horas de folga. Não havia como deixar os sequestrados esperando no cativeiro pela folga do policial. Os casos passaram a ser assunto de toda a divisão, mas cada um com sua tarefa específica.
Qual a razão do sucesso?
Inteligência e investigação, antes de tudo, como fossem uma única tarefa. Os homens de inteligência analisavam as informações enquanto investigadores buscavam pistas. Tudo isso sob a inspiração do CISP, órgão de inteligência da polícia do Rio na época, sob a batuta do lendário Coronel Romeu. O Disque-Denúncia, criado alguns anos antes por Romeu, funcionou — e ainda é assim — como uma ferramenta poderosa para que as comunidades pudessem colaborar com o trabalho policial sem medo, certas de que a confidencialidade é um compromisso jamais desfeito. Cento e noventa e oito bandidos foram presos pela Divisão Anti-Sequestro em dois anos. Em nenhum desses casos permitiu-se o pagamento de resgate. Com isso, tirou-se o fôlego financeiro que as quadrilhas teriam para financiar novas ações. E assim se conseguiu chegar, em maio de 1998, ao “sequestro zero” no Rio de Janeiro. As pessoas certas, trabalhando sério, com o apoio da sociedade. É difícil?
E agora, vinte anos depois?
Tudo isso hoje parece muito simples. O fato é que até então, ninguém sabia disso. Descobriu-se trabalhando. Essa parte já foi feita.
Porque, até agora, ninguém procurou aprender com a experiência do Rio de Janeiro?
Com a palavra os homens públicos.
Porque, até agora, ninguém procurou aprender com a experiência do Rio de Janeiro?
Com a palavra os homens públicos.