quinta-feira, 9 de abril de 2009

Direto ao Ponto

O mundo dos negócios tem uma lógica própria que não admite vaidades. Quando uma empresa lança uma idéia ou produto inovador, a primeira coisa que as concorrentes fazem é copiar sem pudor e, quando possível, aprimorar para relançar. Em nova embalagem, que seja. É a lei da sobrevivência. Pois note-se o que aconteceu, nos últimos anos, na área de segurança pública: Houve no Rio de Janeiro um caso exemplar de combate aos seqüestros. Ao deparar-se com o intolerável recorde de 108 seqüestros num só ano, empreendeu-se uma ação eficaz. Três anos depois, a polícia do Rio havia esvaziado todos os cativeiros. Do sucesso dessa experiência, restaram muitas certezas, mas uma indagação ficou no ar: porque ninguém nunca sequer tentou aprender com esse episódio?

Há quem vá dizer que no mundo habitado pelos políticos não há grandeza desta latitude. E os políticos não vão poder reclamar. Costuma-se mesmo abater boas idéias a golpes de caneta quando a procedência é a prancheta da oposição. O fato é que não se pode mais transigir com essa conduta no campo da segurança pública. Não por nada. Mas é que há gente presa, neste momento, em cativeiro. Quem já esteve lá sabe como é desesperador. Para que não se perca mais tempo, vamos direto ao ponto: é preciso que se diga o que aconteceu no Rio para que esta experiência possa ser apropriada. O Rio venceu os seqüestros não porque os seqüestradores tenham mudado para outro estado a sede de seus negócios. A maior parte deles tem hoje endereço fixo no complexo de segurança máxima de Bangu. O que se conseguiu foi reunir policiais dispostos a realizar uma missão da qual mais tarde se orgulhariam, dar-lhes condições de trabalho e um suporte de inteligência às investigações. Tudo isso como apoio e a presença constante da sociedade civil. Nada de novo. Só o trabalho levado a sério.

O primeiro passo foi a realização de um seminário em que se juntaram políticos, acadêmicos, policiais civis e militares e, o mais importante, as vítimas. Gente que foi contar o que sentiu, viu e ouviu quando estava sob o domínio de bandidos. Se ainda vale a comparação com o mundo empresarial, levou-se o cliente para a reunião de diretoria. A nova Divisão Anti-Seqüestro (DAS) que surgiu dali também tinha inovações. Acabou-se com o sistema em que um caso é investigado por apenas uma equipe que se desdobra em várias tarefas, como é o usual nas delegacias, onde os plantões de 24 horas são intercalados por 72 horas de folga. Não havia como deixar os seqüestrados esperando no cativeiro pela folga do policial. Os casos passaram a ser assunto de toda a divisão, mas cada um com sua tarefa específica. Os homens de inteligência analisavam as informações enquanto investigadores buscavam pistas. Tudo isso sob a inspiração do Cisp, órgão de inteligência da polícia do Rio. O Disque-Denúncia, criado alguns anos antes, funcionou — e ainda é assim — como uma ferramenta poderosa para que as comunidades pudessem colaborar com o trabalho policial sem medo, certas de que a confidencialidade é um compromisso jamais desfeito. Cento e noventa e oito bandidos foram presos pela Divisão Anti-Sequestro em dois anos. Em nenhum desses casos permitiu-se o pagamento de resgate. Com isso, tirou o fôlego financeiro que as quadrilhas teriam para financiar novas ações. E assim se conseguiu chegar, em maio de 1998, ao “seqüestro zero” no Rio de Janeiro. As pessoas certas, trabalhando sério, com o apoio da sociedade. É difícil?

A sinalização de que algo começava a mudar foi dada, ainda em 1995, pelo então chefe da DAS, Hélio Luz. “A DAS não seqüestra mais”, anunciou. Era uma frase com dois recados. Um, à sociedade, de que a polícia reconhecia seus problemas internos. Outro, aos maus policiais, de que seus dias estavam contados. O mesmo se repetiu com a chegada à DAS do delegado Marcos Reimão, dois anos depois. A simples notícia de que ele estaria à frente da divisão fez com que sete seqüestrados fossem soltos. Houve quem levantasse a hipótese de que policiais estivessem por trás dos crimes. Bastou a percepção de que autoridade se impôs para que a casa começasse a se arrumar. Tudo isso hoje parece muito simples. O fato é que até então, ninguém sabia disso. Descobriu-se trabalhando. Essa parte já foi feita. Porque, até agora, ninguém procurou aprender com a experiência do Rio de Janeiro? Com a palavra os homens públicos.