segunda-feira, 22 de junho de 2009

A Estruturação de Atividades Criminosas

Claudio Beato
Luís Felipe Zilli
CRISP – Centro de Estudos de Criminalidade
e Segurança Pública
- UFMG

A cidade do Rio de Janeiro tem se notabilizado pela ocupação de territórios por grupos armados, onde o estado tem muitas dificuldades de se estabelecer. Via de regra, a estratégia tem sido a do confronto através de escaramuças, realizado de forma pontual, descontinuada e sem complementaridade com outros tipos de ações. Além de ineficaz, essa forma de enfrentamento produz número elevado de vítimas, inclusive entre a população civil local, contribuindo com grande sentimento de hostilidade e ressentimento em relação à polícia.

Por outro lado, numa vertente diametralmente oposta, diversos segmentos sociais condenam as ações de confronto, a partir da constatação de que somente intervenções sociais profundas irão alterar as condições para que o estado esteja assentado de forma permanente. Este tipo de argumento, no entanto, encontra dificuldades para explicitar como se restabelecem as condições de ordem para que ações sociais ocorram.

Este tipo de situação não é exclusivamente carioca. É observada em diferentes graus, em outras áreas metropolitanas do país. Por todo o Brasil, muitos são os exemplos de espaços urbanos frutos de loteamentos irregulares e realocações temporárias onde, já em sua origem,a ilegalidade na ocupação do solo e na provisão de serviços terminou se constituindo em referência.

A estruturação de atividades criminosas, em seus estágios iniciais, tem uma lógica mais societária do que econômica. Isto leva a que muitos episódios de guerras entre gangues e grupos criminosos seja por motivos banais que ensejam uma infindável seqüência devinganças, retaliações, vendettas, conflitos, trocas de tiros, traições, crueldades e chacinas de toda a sorte. Aspectos sociais também contribuem para estabelecer as condições de eclosão da violência. Famílias desestruturadas, gravidez precoce, pouco tempo em escolas, além do alcoolismo e drogadicção criam igualmente o contexto para o surgimento de gerações de jovens com baixo grau de supervisão, cujos familiares tem limitado controle sobre seus comportamentos.

A partir dos 80 iniciou-se então em período de intensa competição entre estes grupos, marcada por um processo seletivo de depuração através de violentos conflitos e grande numero de mortes. Aqui inicia-se a utilização massiva das armas de fogo. Também entra em cena de forma sistemática um novo personagem que terá uma contribuição decisiva no processo: o policial violento e corrupto. Justamente esta intensa atividade criminal e a proeminência e notabilidade de algumas lideranças é que irá torná-los alvos preferenciais do sistema de justiça o que fará que muitas das rivalidades e antigas alianças sejam refeitas para fins de proteção dentro das prisões. Muitas das gangues de Los Angeles, ou até mesmo as Maras salvadorenhas sofreram o mesmo tipo de upgrade no sistema prisional. No Brasil, o Comando Vermelho, o Terceiro Comando Puro ou o PCC são os exemplos mais notórios. Tratase de período de intensos conflitos e grande numero de mortes. Atualmente, boa parte das comunidades em conflito no Rio de Janeiro encontra-se neste nível de estruturação.

Geralmente, o terceiro estágio tem início em função de um processo seletivo que toma corpo no momento em que há o enfraquecimento dos grupos ligados a uma facção e, conseqüentemente, o predomínio dos outros. O que ocorre nesta fase é uma tentativa de se minimizar conflitos entre grupos através de formas radicais de controle de mercado, incluindo até a eliminação ou prisão de competidores. Além disso, há uma expansão das atividades comerciais que agora não se limitam apenas ao tráfico de drogas, mas estende-se a diversos outros tipos de atividades ilegais, tais como a venda informal de serviços e bens públicos através de “gatos”, provisão de bens e serviços como gás, transporte e segurança, e até mesmo a exploração de prostituição.

O processo mais importante desta fase é o particionamento de produtos e territórios de forma a minimizar conflitos. Assim, cooperação entre grupos e cooptação de policiais pode ser uma alternativa melhor do que a guerra entre facções. Violência em excesso não é uma boa opção para grupos que passam a pautar-se crescentemente pela lógica econômica, e pela expansão de mecanismos de controle e monopólio de mercados. Uma indicação deste processo é o ingresso das milícias no cenário da violência carioca, buscando a reorganização das atividades em outro patamar. No caso colombiano, foram os paramilitares que cumpriram este papel.

Um quarto estágio seria o crime organizado globalizado e de inserção internacional, com participação diversificada no mercado econômico, nos moldes da máfia ou dos cartéis internacionais. Não há ainda uma indicação muito clara de formação de algo desta natureza noRio de Janeiro.

Cada estágio destes exige intervenções de distintas naturezas. No estágio inicial,
intervenções sociais seriam suficientes e um custo relativamente baixo. Quando se perde esta oportunidade, já no segundo estágio, torna-se necessário agregar um custo a mais, relativo ao estabelecimento de condições que na verdade nunca foram dadas – a provisão de segurança e justiça. Já no terceiro estágio, se nada tiver sido feito anteriormente, as condições serão ainda mais adversas, pois teremos em curso um processo com capacidade de corrosão institucional mais elevada, embora com grau de violência menor.

O Rio de Janeiro parece vivenciar hoje uma situação com predomínio de elementos do segundo estágio. Dessa maneira, torna-se inevitável a adoção de estratégias visando o restabelecimento da ordem, retomada de territórios e erradicação das armas de fogo nestes locais. Sem estas, ações sociais serão inócuas. A questão é, em que medida elas serão contempladas numa visão estratégica e de maior amplitude, permitindo que as escaramuças sejam substituídas por uma ocupação permanente e estável, que torne possível a implantaçãode ações de desenvolvimento social. Um sem o outro terá alcance limitado e precário. Nas comunidades que já vivenciam o terceiro estágio, como tem sido fartamente documentado pela imprensa carioca, terão que ser utilizadas medidas de cunho fiscal e regulatório ao invés das meramente policiais. Cada fase, portanto, merece um tipo particular de intervenção.

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