Não esqueço aquele dia de julho de 1967. Eu saía do edifício Marquês do Herval, no centro do Rio. Todos os que freqüentaram a livraria Leonardo da Vinci, no subsolo, ou o escritório de Hércules Correia, num dos andares do alto, sempre recordam aquela espiral da saída. Pois eu estava lá, no fim da espiral, quando percebi os papéis picados caindo no chão da avenida Rio Branco. Eram poucos e tímidos. Os tempos eram difíceis. Fui subindo em direção à Presidente Vargas, curioso, olhando as janelas dos prédios. Elas se abriam e logo a mão de alguém lançava um punhado de papéis picados. Ao chegar à esquina da Nilo Peçanha, quando a vista se alarga para os lados do Castelo e da Carioca, pude perceber a festa silenciosa. A chuva branca aumentara, espalhara-se pela São José e pelo alto da Rio Branco.
Esperando o sinal abrir, ouvi a notícia: o marechal Castelo Branco morrera num acidente no Ceará. As pessoas sorriam e se abraçavam. Cruzavam os olhares cúmplices pela rua. Encontrei um amigo. Abrimos os braços, alegres. Trocamos notícias e boatos. Naquela noite os bares ficaram cheios, como se um América de todos nós tivesse sido campeão. As comemorações atravessaram a madrugada. E olhem que foi um acidente, o nosso primeiro ditador de plantão fora vítima de um mero choque de aviões no céu de Mecejana. Não sei como foi na Nicarágua, quando Somoza morreu, em 1980. Teria havido mais vibração? Afinal, sua morte foi obra de um atentado. Um tiro de bazuca explodiu o seu carro blindado, em Assunção.
É curioso como as pessoas comemoram a morte e o justiçamento de tiranos. Lembro-me sempre da foto de Mussolini e Carla Petacci, fuzilados e pendurados num posto de gasolina em Milão, o povo ao redor, gente sorrindo. Uma festa popular. E, muitas vezes, os matadores viram heróis. Encontrei outro dia, na seção "Há 50 Anos", da Folha de S. Paulo, a seguinte manchete de primeira página: "A CÂMARA URUGUAIA HOMENAGEIA UNANIMEMENTE A MEMÓRIA DO MATADOR DO PRESIDENTE SOMOZA. Era tio do ex-ditador morto no Paraguai. O justiceiro homenageado foi o jornalista Rigoberto Lopes Pérez, morto logo após o atentado.
Quando vejo e leio os comentários sobre o comportamento das platéias do filme Tropa de Elite, isto me lembra a comemoração pela morte de Castelo Branco. O que liga esses dois acontecimentos, o que me surpreende, é o fato de algumas pessoas acreditarem que todos aqueles que, nos dias de hoje, lutamos pelos direitos humanos - e muitos de nós lutaram contra a ditadura - se devam comover com a morte de soldados do tráfico de drogas. Se festejamos a morte de grandes tiranos, porque alguns ficam perplexos diante da satisfação de outros pela morte e o sofrimento dos tiranetes do nosso cotidiano, que não dariam chance a uma mulher grávida, ou a um policial voltando do trabalho?
Não posso falar pelos outros, mas devo afirmar que não me comove o mais trágico destino de qualquer desses criminosos. Sei quem são, e nessa luta não há lugar para tolos. É possível que a questão não esteja em quem morre, mas em quem mata. Na verdade, o que interessa nessa história toda, é o comportamento da minha polícia. Se um traficante é executado por um policial, é estabelecida uma grave ameaça contra qualquer cidadão, contra todos nós. E é isto que é inaceitável. Se um criminoso morre numa disputa de facções ou em confronto com a polícia, tudo muda. Mas se a polícia sair por aí executando, mesmo que só morram criminosos, a violência ficará incontrolável.
Repito: não me comove a morte de um bandido, mas se for uma execução, me preocupa. Aí estaremos todos correndo risco, por mais encastelados que estejamos. E mais ainda os moradores das comunidades. Porque a garantia efetiva que qualquer cidadão tem de que os seus direitos serão respeitados pela polícia, é essa polícia respeitar os direitos do pior dos bandidos. Se ela o faz, certamente respeitará os dele. A garantia que temos, simples cidadãos, não está apenas no fato de estarmos numa democracia, o Congresso estar aberto, haver juízes de plantão, os jornais estarem rodando livres. Isto ajuda, mas se tem mostrado muito distante de nosso dia a dia. A garantia efetiva que temos, insisto, é a prática diária de nossa polícia. E é por isso que devemos lutar e exigir um compromisso dessa polícia com o respeito rotineiro aos direitos de todos. Por nós e por eles, os policiais - jamais pelos bandidos.
Esperando o sinal abrir, ouvi a notícia: o marechal Castelo Branco morrera num acidente no Ceará. As pessoas sorriam e se abraçavam. Cruzavam os olhares cúmplices pela rua. Encontrei um amigo. Abrimos os braços, alegres. Trocamos notícias e boatos. Naquela noite os bares ficaram cheios, como se um América de todos nós tivesse sido campeão. As comemorações atravessaram a madrugada. E olhem que foi um acidente, o nosso primeiro ditador de plantão fora vítima de um mero choque de aviões no céu de Mecejana. Não sei como foi na Nicarágua, quando Somoza morreu, em 1980. Teria havido mais vibração? Afinal, sua morte foi obra de um atentado. Um tiro de bazuca explodiu o seu carro blindado, em Assunção.
É curioso como as pessoas comemoram a morte e o justiçamento de tiranos. Lembro-me sempre da foto de Mussolini e Carla Petacci, fuzilados e pendurados num posto de gasolina em Milão, o povo ao redor, gente sorrindo. Uma festa popular. E, muitas vezes, os matadores viram heróis. Encontrei outro dia, na seção "Há 50 Anos", da Folha de S. Paulo, a seguinte manchete de primeira página: "A CÂMARA URUGUAIA HOMENAGEIA UNANIMEMENTE A MEMÓRIA DO MATADOR DO PRESIDENTE SOMOZA. Era tio do ex-ditador morto no Paraguai. O justiceiro homenageado foi o jornalista Rigoberto Lopes Pérez, morto logo após o atentado.
Quando vejo e leio os comentários sobre o comportamento das platéias do filme Tropa de Elite, isto me lembra a comemoração pela morte de Castelo Branco. O que liga esses dois acontecimentos, o que me surpreende, é o fato de algumas pessoas acreditarem que todos aqueles que, nos dias de hoje, lutamos pelos direitos humanos - e muitos de nós lutaram contra a ditadura - se devam comover com a morte de soldados do tráfico de drogas. Se festejamos a morte de grandes tiranos, porque alguns ficam perplexos diante da satisfação de outros pela morte e o sofrimento dos tiranetes do nosso cotidiano, que não dariam chance a uma mulher grávida, ou a um policial voltando do trabalho?
Não posso falar pelos outros, mas devo afirmar que não me comove o mais trágico destino de qualquer desses criminosos. Sei quem são, e nessa luta não há lugar para tolos. É possível que a questão não esteja em quem morre, mas em quem mata. Na verdade, o que interessa nessa história toda, é o comportamento da minha polícia. Se um traficante é executado por um policial, é estabelecida uma grave ameaça contra qualquer cidadão, contra todos nós. E é isto que é inaceitável. Se um criminoso morre numa disputa de facções ou em confronto com a polícia, tudo muda. Mas se a polícia sair por aí executando, mesmo que só morram criminosos, a violência ficará incontrolável.
Repito: não me comove a morte de um bandido, mas se for uma execução, me preocupa. Aí estaremos todos correndo risco, por mais encastelados que estejamos. E mais ainda os moradores das comunidades. Porque a garantia efetiva que qualquer cidadão tem de que os seus direitos serão respeitados pela polícia, é essa polícia respeitar os direitos do pior dos bandidos. Se ela o faz, certamente respeitará os dele. A garantia que temos, simples cidadãos, não está apenas no fato de estarmos numa democracia, o Congresso estar aberto, haver juízes de plantão, os jornais estarem rodando livres. Isto ajuda, mas se tem mostrado muito distante de nosso dia a dia. A garantia efetiva que temos, insisto, é a prática diária de nossa polícia. E é por isso que devemos lutar e exigir um compromisso dessa polícia com o respeito rotineiro aos direitos de todos. Por nós e por eles, os policiais - jamais pelos bandidos.
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