Um poderoso e influente grupo empresarial passou, há alguns anos, por problemas de segurança na área de sua sede, no Rio de Janeiro. Nada de muito grave, bem mais um problema de ordem pública do que de crime e de violência. Uma mistura de pequenos delitos e de mendicância, um pátio dos milagres instalado em sua calçada, que intranqüilizava não só a alta administração, como funcionários, clientes e fornecedores. Durante um bom tempo a empresa usou do prestígio de seu nome e de seus associados em gestões com os poderes públicos, para obter uma solução que acabasse com a incômoda e agressiva ocupação do espaço público adjacente. Nada acontecia.
Foi quando um cliente, tomando conhecimento da situação, afirmou que sabia quem poderia resolver o problema. E, realmente, em poucos dias e em boa ordem, os ocupantes retiraram-se do local. Até hoje a área é um exemplo de limpeza e tranqüilidade. O amigo do cliente era dono do ponto de bicho local, e ficou encantado em poder prestar esse pequeno favor àqueles vizinhos tão respeitáveis. "Antenor, seu criado" - falou ele ao telefone -, despedindo-se de um agradecido vice-presidente da companhia.
Há algum tempo, um grupo de empresários, em reunião com o mais alto escalão do Ministério da Justiça, rejeitou uma proposta para serem adotados procedimentos mais avançados de segurança em seus estabelecimentos, afirmando que "seria muito caro e que segurança pública é obrigação do governo." O grifo é nosso, exatamente para ressaltar a mentalidade ainda presente em certos integrantes dos nossos círculos empresariais sobre a absoluta ausência de responsabilidade das organizações civis da sociedade brasileira para com quaisquer questões sociais. É claro que a despreocupação, ou a inércia ou o despreparo demonstrado por algumas das nossas mais altas autoridades na área da segurança pública nos assusta. Mas atribuir apenas ao governo obrigações sociais é, além de tudo, exigir cada vez mais impostos e entreabrir a porta para o recrudescimento da interferência estatal na vida social, ou, o que é bem mais sério, permitir que agentes indesejáveis, como o bicheiro Antenor, ocupem o espaço da autoridade pública.
Mas não é só de uns poucos líderes empresariais esta ilusão. É possível que seja de uma parcela expressiva da população, que crê que se deva sempre aguardar a ação do Estado para a resolução de problemas sociais. Não se duvida que, no caso da segurança pública, o poder de polícia só possa ser exercido pelo Estado. Mas a ordem pública não depende só da polícia, que, aliás, pode muito pouco. Dos três agentes responsáveis pela produção da ordem (e da desordem) - os cidadãos, as agências de serviços públicos e a polícia -, o único, em tese, dispensável é a polícia. Numa comunidade equilibrada, constituída de cidadãos ordeiros, em que os serviços públicos sejam bem prestados, a necessidade de polícia deverá ser mínima.
Não há dúvida de que, numa sociedade complexa e de diferenças extremas como a nossa, a necessidade da intervenção policial é permanente. Mas isto não exclui a responsabilidade de todos os cidadãos, particularmente daqueles que têm condições de influenciar os processos sociais e de mobilizar a população. Em qualquer país civilizado, as lideranças empresariais participam diretamente das atividades de desenvolvimento social, disponibilizando seu tempo, seu prestígio, sua experiência e seus recursos a projetos sociais e culturais de sua comunidade, inclusive no combate ao crime e à violência
Há quem acredite que um Estado falido, envolvido em uma crise persistente e profunda, possa e deva suportar em seus ombros toda a carga social. De toda a parte ouvimos vozes apelando por mais saúde e educação para os seus, mais segurança e mais emprego. Apelando a quem? Ao Estado. Que fazer? Vários grupos empresariais, celebridades, organizações religiosas, em parceria com outras entidades civis ou com o Estado, estão obtendo resultados expressivos em projetos sociais pioneiros. O Disque-Denúncia, uma parceria entre Estado e Sociedade Civil, é um deles, e está aí para multiplicar com sucesso a capacidade de investigação de uma polícia carente de efetivos, por meio da mobilização popular.
Seria bom que cada vez mais novas lideranças seguissem esses exemplos. Antes que alguns segmentos da população, mais realistas, venham apelar para o bicheiro da esquina ou para o gerente da boca-de-fumo local, que talvez tenham mais sensibilidade do que imaginamos a respeito da necessidade de cumprirem seu "papel social", e dos benefícios que isto pode trazer para os seus "negócios".
sábado, 4 de abril de 2009
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