EUA: novas tendências do fenômeno do homicídio em função do narcotráfico (cont.)
George Felipe de Lima Dantas
A tendência às 'baixas' taxas de esclarecimento de homicídios não é questionada nos EUA quanto à eficiência policial. E vale notar que lá existe uma respeitável comunidade de acadêmicos mundiais de justiçacriminal (distribuída em mais de 17 mil organizações profissionais do setor e em cerca de 700 programas acadêmicos de graduação da mesma área). É questionada, sim, a própria natureza hodierna do fenômeno.
Talvez pelo fato de que os estudos e pesquisas criminológicas que informam políticas públicas nos EUA estejam hoje baseados majoritariamente em departamentos de ‘justiça criminal’ e não de ‘sociologia’, com esta ciência social se ocupando de aspectos mais vinculados ao criminoso (na tradição da sociologia jurídica clássica) do que ao crime propriamente dito e situações conexas da modernidade, seara dos agentes da segurança pública associados ao mundo acadêmico da área de 'justiça criminal'.
Mas 'nem tudo são flores', claro -- ainda que não caiba um 'libelo acusatório' contra as polícias. O declínio das taxas de esclarecimento de homicídios parece representar uma nova ameaça no que tange a segurança pública, já que passa a aumentar não apenas o número de homicidas impunes, mas também a presença deles em meio a uma comunidade desavisada de sua existência e potencial adverso.
Em verdade, a premissa hoje generalizada de que a motivação homicida ‘por motivo fútil’ (sem qualificar a ‘futilidade’ típica) pareça ser a modal (mais freqüente), pode não ser mais sustentável. Ela é apenas mais bem detectável e, por isso mesmo, obviamente, detectável, do que a resultante do narcotráfico, esta sim, muito provavelmente modal, ainda que certamente menos detectável e, correspondentemente, menos esclarecida conseqüentemente.
A hipótese por levantar pode ser a de que o grande, médio e pequeno negócio do narcotráfico, escapa, em sua equação lógica de causalidade, circunstancia e desfecho, da trilogia comercial ortodoxa típica e que inclui (i) segurança do investimento; (ii) rentabilidade do negócio e; (iii) liquidez financeira, três conhecidas variáveis combinadas em diferentes arranjos de ‘marketing’ nos negócios lícitos.
O narcotráfico, obviamente de pouco ou nenhum ‘marketing aberto’, quando se trata do ‘lidar com o mercado’ – é um negócio em que a ‘segurança do negócio’, em garantia, é a própria vida (integridade física) de provedores e consumidores. Este seria, entre outros, mais um ‘alto custo social’ do narcotráfico, fruto de uma atividade delitiva de grande rentabilidade (multiplicada a cada repasse do ‘produto’, dos grandes fornecedores até os ‘atravessadores’, retalhistas de ponta e 'usuários passadores'), bem como da ‘liquidez imediata’ de algo que não funciona, em valorização, como um ativo financeiro clássico (“commodity”?), como é o caso quando da maturidade ou da aquisição prévia de títulos ‘em bolsa de mercados futuros’. Os 'negócios do narcotráfico' são quase sempre imediatos... Não há 'futuro' neles.
Assim, na equação desses três termos, a ‘segurança de traficantes e usuários’ tenderia a zero, enquanto a rentabilidade e a liquidez seriam maximizadas ao extremo em prol do ‘sucesso do negócio’. O Sexto Relatório Global sobre Crime e Justiça da Organização das Nações Unidas já apontava tal tendência em 1999: a do crescimento do narcotráfico, dado seus poderosos incentivos econômicos.
Nessa ‘microeconomia macabra’, as vidas dos ‘atores econômicos’ correspondentes seriam as próprias ‘garantias contratuais do negócio’, ocorrendo uma eventual eliminação sumária (homicídio) entre indivíduos que muitas vezes estariam fazendo contato comercial ilícito (causa) por uma única e primeira vez (circunstância).
Tal relação estaria sendo estabelecida, usualmente, em locais públicos remotos e distantes de eventuais testemunhas, até mesmo para a conveniência delitiva de vendedores e compradores. Uma ‘ótima venda ilícita’, em que seria fácil ‘eliminar o comprador’ e cada vez mais difícil do ‘vendedor ser preso’ pela eliminação física (homicídio) do ‘cliente’.
(continua)
George Felipe de Lima Dantas -- Federação Nacional dos Policiais Federais -- Ciência & Arte Policial 27/12/2008.
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