sábado, 11 de julho de 2009

Tropa de Elite em Perigo

Policiais, da mesma forma que homens de negócio, políticos e executivos, consideram-se pessoas práticas, que lidam com resultados. Temos todos um sólido preconceito contra experimentos teóricos e suas soluções baseadas em modelos abstratos que simplificam o emaranhado das relações humanas de uma corporação com a sua sociedade, que tentam alterá-las, adaptá-las e enfiá-las em padrões simplistas, desprezando exatamente o que há de mais rico nessas relações: a sua infinita complexidade, diversidade e imprevisibilidade.

Conhecer polícia não é exatamente compreender polícia. Botânica não é jardinagem. Se nos dias de hoje as ações nos morros e favelas cariocas estão respaldadas em investigações criteriosas e objetivam alvos previamente conhecidos - diferentemente de outros tempos, quando tentativas arrogantes submetiam as comunidades a uma violência sem sentido e distante dos princípios que determinam as ações policiais – nem por isso estamos deixando de assistir a um sofrimento incalculável de todos os envolvidos na situação. No caso da polícia, além da brutalidade de execuções que vitimam policiais a todo momento, ocorre um risco perigoso de desgaste de suas organizações de elite, equipes especializadas de alta eficiência, como o Bope e a Core.

Estudos realizados por equipes de psicólogos americanos, a partir de uma desastrosa operação militar de suas tropas de elite na Somália, nos anos 90, em que 18 soldados morreram numa tentativa frustrada de capturar um líder guerrilheiro, mostraram o efeito das dificuldades enfrentadas por aqueles que operam em situações desfavoráveis, em que há dúvidas quanto aos objetivos e às possibilidades de sucesso. A experiência foi descrita em livro e objeto de um excelente filme de Ridley Scott – Falcão Negro em Perigo.

A análise foi estendida a outras unidades importantes do exército americano, para melhor estudar os fatores de desmotivação dos soldados, frente a obstáculos a um desempenho eficaz e condizente com seus valores pessoais e seus sentimentos de dedicação e trabalho. Como era previsível, o resultado mostrou uma relação direta entre as dificuldades para cumprirem sua missão e o moral dos patrulheiros. Pior do que suportar os riscos da batalha era a impossibilidade de executar bem o trabalho para o qual haviam sido treinados. Porém o estudo trouxe uma revelação importante: os elementos mais motivados e empenhados, aqueles que tinham os mais sólidos princípios, eram os que apresentavam a maior taxa de desilusão e de falta de motivação. Segundo o professor Thomas W. Britt, psicólogo e coordenador do trabalho, “...o patrulheiro que se importava mais com o trabalho era justamente aquele que se sentia mais desmoralizado quando impedido de dar o melhor de si.”

Aqui, em outra galáxia, podemos também perceber que o policial que mais preza sua profissão, que mais se empenha em seu trabalho, é o que mais fortemente sente as pressões e dificuldades para a realização de sua missão. Este me pareceu o melhor aspecto do filme de José Padilha, Tropa de Elite: a abordagem dramática dos conflitos de ser um verdadeiro policial no Rio de Janeiro. As incursões punitivas dos chamados “bondes”, a violência das disputas entre quadrilhas e os costumeiros atentados a policiais em posições estáticas mostram com quem nossa polícia lida. A dificuldade de proteger civis, o risco de perder o controle sobre situações de uso da força, a reportagem infeliz – que também atinge sua família – tudo isto faz com seja necessário ficar atento ao estado de ânimo dos mais empenhados. Serão eles os que poderão mais cedo deixar de dar o melhor de si, prejudicando a capacidade das instituições de elite das polícias de sustentar seus níveis de excelência e eficiência operacional.

Policiais são homens de ação. Uma das características dos homens de ação é que quanto mais aprendem, mais aumenta a sua incerteza. E é justamente sobre isto que nossos policiais mais experientes podem ajudar seus superiores a refletir: que não devem seguir certos rumos, não porque conheçam as forças que serão despertadas, e sim porque as não conhecem. Que têm alguma idéia, alguma percepção de tendências apenas vislumbradas, mas pressentem que enfrentá-las sem uma melhor compreensão de sua natureza poderá levar a um resultado desastroso: o de a polícia ser deixada só, na tarefa de combater o tráfico de drogas nas favelas do Rio de Janeiro.

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