sexta-feira, 10 de julho de 2009

Uma péssima compra

EUA: novas tendências do fenômeno do homicídio em função do narcotráfico

George Felipe de Lima Dantas

Interessante e talvez mesmo paradoxal a constatação norte-americana de que com todas as novas tecnologias forenses emergentes do século XXI, incluindo as de identificação humana por fragmento genético (DNA), tidas como instrumentais para uma maior e melhor resolução de casos de homicídios, tais avanços não estejam sendo acompanhados de maiores níveis de taxas esclarecimento de casos de homicídios ocorridos naquele país. É isso que indicam as taxas de esclarecimento determinadas nos EUA, desde o início dos anos 1960 até os dias atuais.

Os números estudados que revelam a tendência são os mais recentemente difundidos pelo Federal Bureau of Investigation - FBI (Bureau Federal de Investigação), universalmente conhecido órgão policial federal norte-americano e que mantém, desde a década de 1930, o sistema Uniform Crime Report -UCR (Relatório Padrão do Crime - estatísticas de segurança pública, incluindo índices de elucidação ou resolução de crimes). Vale ressaltar que, de maneira geral, o esclarecimento de ocorrências policiais de homicídios, de acordo com a metodologia UCR apontada pelos norte-americanos, acontece pela determinação direta ou indireta da autoria do delito. Existem também meios excepcionais de esclarecimento.

Considerando que a metodologia para estudos sobre o esclarecimento de casos de homicídios tenha sido mantida constante nos EUA desde 1963 (4.566 ocorrências brutas havidas naquele ano), as taxas já disponíveis de esclarecimento de homicídios para 2007 (aplicadas sobre 14.811 ocorrências brutas havidas neste outro ano) apontam uma queda de 91% de esclarecimentos em 1963, para 61% em 2007 (redução linear de cerca de 0,7% a cada ano desde então). Ou seja, uma redução linear total de 30%, ou anual de cerca de 0,7%, em uma série histórica de 44 anos.

A situação naquela mesma série, já agora considerando cidades de mais um milhão de habitantes - também de acordo com o FBI - aponta níveis de esclarecimento que caem de 89% para 59%, respectivamente em 1963 e 2007, novamente mostrando um diferencial para menos de 30% ao final da série de 44 anos. É ainda mais marcada a tendência declinante da taxa de esclarecimentos quando se trata de cidades de maior porte demográfico, do que na média geral de esclarecimentos havidos nos EUA, independentemente do porte demográfico dos locais de ocorrência.

Nas décadas de 1970 e 1980 a tendência decrescente das taxas de esclarecimentos norte-americanos aponta patamares menores ainda. No início de 1970 eram esclarecidos cerca de 80% dos casos, com a taxa baixando para menos de 70% ao final da década de 1980. Ou seja, a redução de 30 pontos percentuais nos esclarecimentos na "grande" série histórica 1963-2007, já mais recentemente, especificamente na série histórica que corresponde ao período 1970-1980, vai ficando mais pronunciada ainda.

A taxa de resolução de casos de homicídios, portanto, tende a diminuir mais ainda nos EUA, à medida que o tempo vai passando, desde a década de 1960 até os dias atuais. Ora, se o objeto é o mesmo e a metodologia de estudo foi mantida constante (e tudo indica que foi…), é de supor que o fenômeno criminológico (incluídos entre seus objetos de estudo o crime propriamente dito, os criminosos seus autores e questões conexas como é o caso da taxa de esclarecimentos) no qual o delito do homicídio está inserido deva ter sofrido alguma transformação, vis-à-vis taxas de esclarecimento estavelmente declinantes.

E é exatamente isso o que intuem os membros da comunidade policial norte-americana, referindo um incremento nas mortes por homicídio motivadas pela atividade do narcotráfico, mortes estas ocorridas geralmente em circunstâncias impessoais e/ou anônimas (autor e vítima que não se conhecem e com pouca ou nenhuma evidência que transcenda o "local do crime"), ao contrário de ocorrências de mesma tipologia penal havidas, por exemplo, no ambiente intralar (homicídios passionais com ‘história’ e testemunhas melhor determináveis) e em espaços semi-públicos (em bares e restaurantes, por exemplo, passiveis de farta materialidade na investigação factual e com maior disponibilidade de prova testemunhal).

Aumentam, assim, os casos não-esclarecidos, pela própria natureza do fenômeno - muito possivelmente função da motivação mais típica - que também passou a transformar-se (mudança qualitativa) e produzir incremento na frequencia de ocorrência (mudança quantitativa) e diferenciação para menos no esclarecimento do fenômeno dos homicídios. Passa a ser simplista e meramente ideológica a referência a uma pior qualidade do serviço policial para explicar taxas 'pequenas' de esclarecimento de homicídios, tanto no Brasil quanto alhures.
(continua)

George Felipe de Lima Dantas -- Federação Nacional dos Policiais Federais -- Ciência & Arte Policial 27/12/2008.

Nenhum comentário: