Há quem diga que ninguém faz nada, mas como, se temos em nosso banco de dados mais de dois milhões de relatos com dezenas de informações? A população está fazendo sua parte, sim. E o exército está aí, experimente imaginar se não estivesse...
Como o Disque Denúncia conduz suas operações?
Somos poucos e temos recursos limitados. Portando conduzimos nossas operações com equipes multitarefas onde a velocidade é nossa moeda de troca. Quando começamos, nos meados dos anos 90, aplicávamos princípios gerais de desempenho eficaz, mas ainda não havia as tecnologias que hoje estão disponíveis. O que funcionava era a cabeça das pessoas, sua atenção e raciocínio treinados pela dinâmica da experiência. E é claro, havia falhas diversas, principalmente de comunicação e de uso de protocolos. As pessoas esqueciam de fazer as coisas, mas mesmo assim, funcionava. Hoje você tem máquinas, tem TI, que seguem programas automatizados, em máquinas que não têm filhos, amigos, contas a pagar, ressacas, etc. Então os protocolos não falham, os controles funcionam. Não que as pessoas não continuem a esquecer, mas os processos estão mais seguros e eficientes.
É difícil adotar estes procedimentos na polícia?
Para mudar a mentalidade de uma organização é preciso persistência, nunca desistir. Você deve manter o foco nos que querem colaborar e não deve perder tempo tentando quebrar resistências. Será difícil mudar a gestão da linha de frente e dos gestores intermediários, porque as pessoas nessas posições precisam de tempo para se adaptar à novidades, como a que oferece apoio (que alguns cantores chamam coaching), em vez de monitorá-los. As resistências têm muito a ver com o medo de assumir responsabilidades. O ideal seria, como foi para o DD, formar equipes pequenas, estáveis e autogeridas, com autonomia para realizar seu trabalho e mantidas responsáveis por seus compromissos. Equipes ágeis precisam de apoio direto da direção para se autogerir.
Como isto tudo começou?
Eu vim do mercado financeiro, onde a sobrevivência depende da rapidez das reações ao mundo exterior. Nenhum fator interno afeta os seus resultados importantes. O que vale é o que vem de fora, as decisões vitais para a organização são tomadas fora dela. Você tem que ter a capacidade de perceber o que está acontecendo no mercado com a máquina funcionando.
Por exemplo?
No mercado brasileiro de capitais, existe uma organização chamada Distribuidora de Valores, que tem uma agilidade ímpar, por uma razão curiosa: ela não serve para nada. O que acontece é que você não precisa compreender sua missão e seus valores, elaborar um detalhado planejamento estratégico, nada disso. Tudo o que você precisa é entender o mercado financeiro, de uma maneira ampla e profunda. Entender, e não, conhecer. Desde o começo, o DD tem o comportamento de uma distribuidora de valores, voltado para o mercado externo de segurança pública do Rio de Janeiro, sem perder tempo com questões internas, miúdas.
Poderia nos dar um exemplo disso na segurança pública?
Não é difícil. Veja por exemplo uma questão atual, a da integração das agências policiais. Há hoje disputas de poder entre elas todas e até mesmo dentro de cada uma delas. Disputas por mais poder e por tudo o que representa poder. E, enquanto isto, morrem policiais em atentados, cidadãos por balas perdidas e até bandidos em disputas de territórios. Os cidadãos, clientes dos serviços de segurança pública, recebem um péssimo tratamento, enquanto os agentes da ordem se envolvem em embates personalistas, muitas vezes, e que não levam a lugar nenhum. E as pessoas vão morrendo, sendo assaltadas, estupradas e vão tendo seus direitos civis desrespeitados. De que adiantam esses conflitos internos?
De que forma o DD conduz suas relações com as polícias?
Podemos ser críticos, mas somos parceiros, acima de tudo. É o que dita nosso comportamento. Precisamos estar sempre disponíveis e atentos a suas demandas. Em segundo lugar, há uma realidade que não podemos ignorar, as dificuldades que os policiais enfrentam para exercerem suas funções com eficiência. Suas instituições têm sérios problemas em todas as áreas de gestão. Faltam meios, recursos, capacitação, treinamento, etc. O que podemos fazer, de nossa parte? Comunicação principalmente, e também articulação com a população. E alimentar de informações uma rede informal criada nestes 23 anos. Como as instituições estão fracas, trabalhamos com os indivíduos, policiais que confiam em nós, e que conhecemos (e eles nos conhecem) desde que entraram nas Forças.
E como o DD encara o crime e a violência?
Como um bom negócio, mais protegido pelos tolos do que pelos canalhas. O principal objetivo do Disque-Denúncia, como o das polícias, deve ser tornar o crime cada dia mais difícil, mais perigoso, e cada dia mais caro. É impossível acabar com ele, ninguém pode pretender isso.
E, como combatê-lo?
Num mercado competitivo, combate-se um concorrente afetando seus preços e seu capital de giro. Procura-se elevar o custo de suas vendas e de seus estoques. No combate ao crime, as polícias deveriam fazer algo parecido. Crime é negócio, repito. Bater no preço da droga significa dispor de uma gama de recursos diversos, capacitação, treinamento, supervisão (esses dois estão em extinção no Rio), concentração nas áreas de maior incidência, atividade policial permanente (abordagem+abordagem +abordagem). A PM de SP abordou 15 milhões de pessoas em 2017. À medida em que as apreensões de estoques de drogas e munições ocorrem, aumenta a necessidade de capital de giro para manter os negócios, e o preço da droga sobe.
Pode-se encontrar mais experiências no mundo dos negócios?
Sempre. Por exemplo, houve um tempo em que o mercado de dólar era restrito e controlado, mas havia um razoável mercado ilegal. Todo mundo tinha os seus doleiros, inclusive os grandes bancos e até o Banco Central. O motivo de o BC operar reservadamente num mercado ilegal era para ter uma noção realista dos preços no paralelo, fator relevante para suas operações legais. Para combater o tráfico de drogas, é de grande importância conhecer o seu mercado, saber a qualidade e o preço dos diversos pontos de venda. A polícia deveria acompanhar o preço e a qualidade do sacolé de 50 ou dos pinos, por exemplo, na Rocinha, Jacarezinho, Maré e outras áreas importantes. E certamente, ter informações do mercado sul americano e internacional, como esta alta do dólar está afetando a atividade. Resta a pergunta: isto é feito? Por quem?
Nenhum comentário:
Postar um comentário